terça-feira, 26 de maio de 2009
Reflexões na VII Semana dos Museus em Campinas
Os educadores lotaram a sala Imagens de um sonho, no MIS.
No dia 21 de maio, fizemos uma programação especial no curso Pedagogia da Imagem, abrindo-o a todos os interessados, para marcar a Semana dos Museus em Campinas.
Nossa programação teve uma dinâmica um pouco diferente e incluiu a apresentação da pesquisa de mestrado Quem educará os educadores?, que defendi na Escola de Comunicações e Artes da USP no dia 6 deste mês, com um debate, e o lançamento de dois vídeos, ocurta-metragem Recantos, sobre o projeto que desenvolvemos em parceria com a EMEI Recanto da Alegria, e o média-metragem do prof. Alberto Nasiasene, Plantando o Saber.
Minha fala dialogou com a Semana dos Museus e, portanto, propôs uma reflexão sobre o papel dos museus na nossa cidade e, de uma maneira mais ampla, o papel das instituições públicas, o papel das instituições educativas e a questão da formação dos educadores para os desafios que temos que enfrentar. Abaixo, reproduzo a parte inicial da apresentação.
Sobre a Semana dos Museus, não sei se vocês têm acompanhado os debates que foram levantados nos jornais. O Correio Popular publicou na terça-feira, dia 19, uma reportagem no caderno cidades, intitulada “Descaso afeta museus de Campinas”. Sobre as condições dos museus eu não devo me pronunciar. O que me parece interessante é que finalmente a Semana dos Museus trouxe a oportunidade para a sociedade despertar para a existência dos museus. E creio que muitos pararam para se perguntar: diante do quadro de precariedade que foi exposto pela reportagem, os museus são relevantes na nossa cidade? Diante dos grandes desafios que a cidade tem, essa instituição é necessária? Ela tem um papel a cumprir? Ou ela tem uma importância secundária? Justifica-se o investimento público nessa instituição? E, principalmente, nós, que somos funcionários dos museus, temos nos feito essas perguntas?
Eu posso falar apenas a partir de onde estou. Pessoalmente, eu me faço essas perguntas desde o dia em que comecei a trabalhar aqui, em novembro de 2004. E, felizmente, tenho encontrado espaço para discutir essas questões com os colegas que se dispõem a fazer esse exercício coletivo. E é assim que temos pensado conjuntamente o Museu da Imagem e do Som e, dentro das condições que nos são dadas, reavaliado nossas ações, propondo outras, buscando fazer a leitura desse cenário complexo, tanto do museu quanto da cidade.
Discutir a relevância do museu na cidade implica justamente fazer esse exercício: que cidade é essa? Que museu é esse? Como o museu vai atender às necessidades da sociedade? (E não o contrário.) Também pelos jornais e telejornais, podemos ter alguma noção dos desafios que a cidade precisa encarar. Os temas mais recentes e frequentes que me vêm agora à mente são: criminalidade, violência, exploração e abusos de todos os tipos contra crianças e adolescentes (foi noticiado que esse problema aqui é mais frequente que a média nacional), tráfico de drogas, a pichação dos monumentos e das propriedades, ocupações irregulares de terras (que a imprensa insiste em qualificar como invasões), aliciamento de trabalhadores de outras regiões do país, que são alojados nas piores condições, desrespeito ao meio ambiente e já na região metropolitana, até mesmo desabastecimento de água, penalizando populações inteiras. Há também o frequente questionamento dos problemas relacionados à qualidade das escolas, o vandalismo nas escolas e assim por diante. Os amargos remédios que têm sido apontados como panacéia para esses males, além de se provarem inócuos, atacam os efeitos e não as origens do problema: mais policiamento, mais cadeia, redução da maioridade penal, vigilância privada, vigilância pública e monitoramento por câmeras, inclusive nas escolas, repressão... mais violência! Discutir a abordagem que a mídia faz desses temas não é o meu foco aqui. Quero tentar tecer um painel daquilo que vemos todo os dias na TV e nos jornais.
A fragmentação que a mídia faz dessas questões, como se elas não estivessem relacionadas, muitas vezes nos impede de perceber que se trata de um problema crônico em Campinas, uma cidade que está no imaginário de todos como uma cidade rica, pujante, a cidade dos barões do café, a cidade de Carlos Gomes, das universidades, dos pólos de alta tecnologia, de Viracopos, de grandes negócios... Em outras palavras, uma cidade de grande expressão econômica, cultural, intelectual.
Mas todos nós sabemos que Campinas são duas. Desde os anos 50, quando o crescimento foi se acelerando, a cidade foi atraindo uma população de várias partes do país, que buscava melhores oportunidades de vida. A primeira cidade oferecia trabalho, mas não enfrentou satisfatoriamente a questão de como integrar esses trabalhadores adequadamente na sua malha de serviços urbanos. E assim é que foi surgindo a segunda cidade, a cidade além da Anhanguera. A cidade para onde foram aqueles que não encontraram brechas na Campinas de cá. A cidade invisível, que não povoa o imaginário coletivo dos grandes símbolos de poder. A cidade que se auto-organiza no caos, a cidade que não cabe em definições. A cidade que se tornou maior que a primeira, e ameaça sua ordem e sua lógica. A cidade que não pode ser mais ignorada. Chamá-la de periferia é um contra-senso. Talvez ela tenha se tornado mais real que a primeira Campinas. A Campinas do Centro, dos monumentos, da Estação, do casarão, do palácio, dos edifícios tombados, talvez seja apenas uma Campinas sonhada. Um sonho antigo, do qual um dia acordamos e nos demos conta de que não pertence mais a nós.
Abro aqui um parênteses para dizer que, felizmente, isso não significa que precisemos derrubar o patrimônio histórico, uma vez que os sentidos de que inicialmente eles eram revestidos não cabem mais. Ao contrário: os símbolos têm grande força porque seus significados não são fixos, congelados. A Campinas do Centro e seus monumentos irão manter-se vivos enquanto forem capazes de se ressignificar, enquanto pudermos compreendê-los como elementos de uma linguagem dinâmica, através da qual escrevemos e reescrevemos a história coletiva.
Esse é o nosso desafio: o desafio de todos os cidadãos e principalmente de nós, creio que a grande maioria aqui presente é de servidores públicos. Nosso desafio não é a violência, a pichação, o tráfico de drogas. O desafio concreto é construir a justiça social, na cidade real. Não apenas a inclusão social (a inclusão do trabalhador como cidadão de segunda classe): a justiça social. E um desafio que não é só material: econômico, de moradia, de saneamento, de posto de saúde, de alimentação. É também tudo isso. Mas, para nós que trabalhamos com educação e cultura, é um desafio simbólico também. Um desafio que é o da recriação – coletiva – do imaginário dessa cidade. Um imaginário contemporâneo, plural, híbrido. Que se construa participativamente, a partir da contribuição também dos migrantes, dos filhos, netos dos migrantes. Um diálogo cultural, que na sociedade contemporânea já não se pode fazer à margem das tecnologias da comunicação, das redes virtuais, do audiovisual. Um diálogo que desoculte essa grande Campinas real, que está encoberta por um imaginário mofado, assim como as ervas daninhas, a poeira e as teias de aranha encobrem um casarão abandonado. Quando nós enfrentarmos esse problema simbólico, estaremos preparados para enfrentar os demais. Esse desafio é o de, sem negar a história, sem perder a memória, integrar novos elementos na discussão e na produção de uma nova identidade coletiva. Ou, talvez, de novas identidades.
Aqui, dentro do museu, esse desafio se traduz de inúmeras maneiras. Para mim, é visível como o nosso acervo colabora para a criação do imaginário: da nossa coleção fotográfica e de vídeos sai grande parte das imagens que são utilizadas quando se quer contar a história de Campinas. Pluralizar esse acervo é fundamental. Não apenas tornando-o conhecido e acessível à população. Pluralizar nosso espaço, a nossa programação. Para nós é importante também compartilhar com os cidadãos os saberes sobre a produção deste acervo: como os diferentes grupos sociais poderão produzir as suas imagens, como e onde poderão criar espaços para projetá-las, fazê-las discutidas. E a resposta, certamente provisória, que temos formulado, é o Programa Pedagogia da Imagem, cujo objetivo é o de promover a apropriação crítica e dialógica das linguagens e das tecnologias da comunicação e da informação pelos cidadãos. Particularmente, penso que um programa urgente é o de recontarmos a história dessa cidade, tecendo a memória dos bairros e das comunidades, junto com as pessoas que ergueram essa segunda Campinas. Nosso papel é o de mediadores desse processo: o de fornecer a nossa proficiência técnica e de linguagem para, solidariamente, construir e projetar com elas (e não por elas ou para elas) um novo discurso histórico. Será que essa proposta do museu pode ser incorporada e recriada pelos diferentes agentes educativos, dentro ou fora da estrutura escolar, num efeito multiplicador que a nossa reduzida equipe museológica não teria condições de alcançar?
Como estou falando para o público de educadores, e o foco principal da discussão é a sua formação continuada, o que temos que nos perguntar é: os educadores e educadoras estão também preparados para enfrentar esses desafios? Como estão fazendo a leitura desse cenário? Essa questão é importante ser bem compreendida porque aqueles problemas que eu mencionei no começo não ficam de fora do ambiente escolar. Eles entram na sala de aula e se manifestam como desinteresse, na forma de conflitos, na forma do baixo rendimento, nas desistências... enfim, no ciclo vicioso da exclusão. No fundo, é uma falta de identidade entre o sujeito e as instituições e as suas propostas. Mas que não é entendida assim, e normalmente a conta vai para o professor e a professora: são os docentes que são vistos como desinteressados, ou despreparados, ou incompetentes para lidar com essa situação.
De fato, há alguns desafios novos, especialmente na área da tecnologia, mas não apenas, também na área social e na área ambiental, que se colocam aos educadores e os fazem repensar a sua identidade profissional. Mas não creio que o discurso da culpabilização dos professores esteja correto, embora seja a saída mais fácil. Como é que a formação continuada, na área da cultura e da tecnologia, pode ajudar a entender e enfrentar essa situação?
Esse foi o problema básico que me motivou a desenvolver a pesquisa de Mestrado Quem educará os educadores? Saber os limites e as possibilidades da formação continuada para a incorporação das linguagens e tecnologias no trabalho pedagógico, dentro dessa perspectiva cultural e dialógica que propomos.
Batata e o professor Alberto Nasiasene, que lançou o vídeo Plantando o Saber.
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